Francisco Sérgio Moreira
A lembrança mais antiga que tenho da Atlântida é, em fins dos anos 50, quando, ainda garoto, minha avó Octavia me levou ao Cine Copacabana para ver O homem do Sputnik. Sem muito entendimento sobre o tema abordado pela pouca idade que tinha, as gags dos personagens de Oscarito, a impagável atuação de Jô Soares ou a paródia de Norma Benguell como uma francesa à Brigitte Bardot foram motivo de muito riso entre eu e minha avó.
Com o passar do tempo, entendi não só a crítica à guerra fria entre americanos e russos a que o filme fazia menção, mas compreendi o que a chancada representava para o cinema brasileiro. A meu ver, se trata de um gênero cinematográfico genuinamente nacional, sem distinção de classes sociais e que se configurou no único momento de uma indústria de cinema no Brasil. Mérito não só da Atlântida, mas de toda uma geração fantástica de produtores, diretores, técnicos e atores que percebeu que o País gosta de rir e que o riso, muitas vezes, permite refletir sem falsos moralismos.
Adiante por prazer e vício profissional, vi e revi muitos clássicos da companhia: Tristezas não pagam dívidas (1944), E mundo se diverte (1949), Também somos irmãos (1949), Carnaval no fogo (1948) e muitos outros. Nomes não faltam, mas, ao lado de Oscarito, não poderia deixar de citar Grande Othelo principalmente na pele do mambembe Tião em A dupla do barulho (1953) com direção de Carlos Manga. Mais tarde, em 2000, tive a honra de coordenar a restauração de Aviso aos navegantes (1951) de Watson Macedo junto à LaboCine do Brasil.
Durante o trabalho, fomos surpreendidos com o ruído de trânsito e buzina de carro na seqüência em alto mar na qual Oscarito é descoberto dentro de uma barrica por Grande Othelo. – Mas, barulho de rua em alto mar?, vocês me perguntarão. Com os atuais programas digitais de tratamento de som, foi possível se escutar o movimento que vinha de fora do estúdio de gravação. Provavelmente o estúdio não era blimdado e por isso não tinha isolamento acústico adequado para abafar o som da rua. Um prova de que as adversidades técnicas nunca foram impedimento para a inventividade e bom humor do nosso cinema.