História
ASSIM ERA A ATLÂNTIDA
Em 18 de setembro de 1941, Moacir Fenelon e José Carlos Burle fundam a Atlântida Cinematográfica com um objetivo bem definido: promover o desenvolvimento industrial do cinema brasileiro. Liderando um grupo de aficcionados, entre os quais o jornalista Alinor Azevedo, o fotógrafo Edgar Brazil, e Arnaldo Farias, Fenelon e Burle prometiam fazer a necessária união de um cinema artístico com o cinema popular.
Durante quase dois anos são produzidos somente cinejornais, o primeiro deles, o Atualidades Atlântida. Da experiência adquirida com os cinejornais vem o primeiro longa-metragem, um documentário-reportagem sobre o IV Congresso Eucarístico Nacional, em São Paulo, em 1942. Junto, como complemento, o média-metragem Astros em Desfile, uma espécie de parada musical filmada com artistas famosos da época, antecipando o caminho que a Atlântida percorreria mais tarde.
Em 1943 acontece o primeiro grande sucesso da Atlântida: Moleque Tião. Dirigido por José Carlos Burle, com Grande Otelo no papel principal e inspirado em dados biográficos do próprio ator. Hoje não existe sequer uma cópia do filme que, segundo a crítica, abria caminho para um cinema voltado às questões sociais ao invés de um cinema preocupado em divulgar apenas números musicais.De 1943 a 1947 a Atlântida consolida-se como a maior produtora brasileira. Nesse período são produzidos 12 filmes, destacando-se Gente Honesta, de 1944, direção de Moacir Fenelon, com Oscarito no elenco, e Tristezas Não Pagam Dívidas, também de 1944, dirigido por José Carlos Burle.
No filme Oscarito e Grande Otelo atuam juntos pela primeira vez, mas sem ainda formar a famosa dupla. O ano de 1945 marca a estréia na Atlântida de Watson Macedo, que se transformaria num dos grandes diretores da companhia. Macedo dirige o filme Não Adianta Chorar, uma série de esquetes humorísticos entremeados com números musicais carnavalescos. No elenco Oscarito, Grande Otelo, Catalano, e outros comediantes do rádio e do teatro.Em 1946 outro destaque: Gol da Vitória, de José Carlos Burle, com Grande Otelo no papel do craque Laurindo. Produção bastante popular sobre o mundo do futebol, lembrando em muitas cenas o célebre Leônidas da Silva (o “diamante negro”), o melhor jogar da época.
Ainda em 1946, Watson Macedo faz a comédia musical Segura Essa Mulher , com Grande Otelo e Mesquitinha. Grande sucesso, inclusive na Argentina.O filme seguinte, Este Mundo é um Pandeiro, de 1947, é fundamental para se entender as comédias da Atlântida, também conhecidas como chanchada. Nele, Watson Macedo delineava com grande precisão alguns detalhes que as chanchadas assumiriam mais tarde: a paródia à cultura estrangeira, em especial ao cinema feito em Hollywood, e uma certa preocupação em expor as mazelas da vida pública e social do país. Uma sequência antológica de Este Mundo é um Pandeiro mostra Oscarito travestido de Rita Hayworth parodiando uma cena do filme “Gilda”, e em outras cenas alguns personagens criticam o fechamento dos cassinos. Dessa primeira fase da Atlântida resta apenas a comédia Fantasma por Acaso, de Moacir Fenelon. Os outros filmes perderam-se num incêndio nas instalações da empresa, em 1952.
Em 1947 ocorre a grande virada na história da Atlântida. Luiz Severiano Ribeiro Jr. torna-se sócio-majoritário da empresa, integrando-se a um mercado que já dominava nos setores de distribuição e exibição. A partir daí, a Atlântida consolida suas comédias populares e a chanchada transforma-se na marca registrada da companhia.A entrada de Luiz Severiano Ribeiro Jr. na Atlântida assegura, de imediato, maior penetração dos filmes junto ao grande público, definindo os parâmetros do sucesso da produtora. Controlando todas as fases do processo (produção, distribuição, exibição) e favorecido pela ampliação da reserva de mercado de um para três filmes, o esquema montado por Luiz Severiano Ribeiro Jr., que possuía também um laboratório para processamento dos filmes, considerado um dos mais modernos do país, representa uma experiência inédita na produção cinematográfica voltada exclusivamente para o mercado.Estava aberto o caminho para a chanchada.
O ano de 1949 marca definitivamente a forma em que o gênero atingiria o clímax e atravessaria toda a década de 50.Watson Macedo já demonstra em Carnaval no Fogo um perfeito domínio dos signos da chanchada, misturando habilmente os tradicionais elementos do “showbusiness” e do romance, com uma intriga policial envolvendo a clássica situação de troca de identidade.Mas paralelo às chanchadas, a Atlântida envereda pelos chamados filmes sérios.
O melodrama Luz dos meus Olhos, de 1947, dirigido por José Carlos Burle, abordando problemas raciais, não faz sucesso de público, mas é premiado pela crítica como melhor filme do ano.Adaptada do romance “Elza e Helena”, de Gastão Cruls, Watson Macedo realiza A Sombra da Outra e recebe o prêmio de melhor diretor de 1950.Antes de sair da Atlântida e fundar sua própria produtora, Watson Macedo faz mais dois musicais para a empresa: Aviso aos Navegantes, em 1950, e Aí Vem o Barão, em 1951, consolidando a dupla Oscarito e Grande Otelo, verdadeiro fenômeno de bilheteria para o cinema brasileiro.
Em 1952 José Carlos Burle realiza Carnaval Atlântida, espécie de filme-manifesto, associando definitivamente a Atlântida ao carnaval, e abordando com humor o imperialismo cultural, tema quase sempre presente em seus filmes, e Barnabé, Tu És Meu, parodiando os antigos contos das “Mil e uma Noites”Ainda em 1952, a Atlântida ruma pelo “thriller” romântico-policial. O filme é Amei um Bicheiro, dirigido pela dupla Jorge Ileli e Paulo Wanderley. Um dos mais importantes filmes produzidos pela Atlântida, Amei um Bicheiro, embora não seguisse os esquema das chanchadas, trazia no elenco basicamente os mesmos atores desse tipo de comédia, inclusive Grande Otelo num notável desempenho dramático.
Mas a Atlântida se renova. Em 1953 um jovem diretor, Carlos Manga, faz seu primeiro filme. Em A Dupla do Barulho, Manga, que havia passado por todos os setores da Atlântida antes de estrear na direção, mostra já saber dominar os principais elementos narrativos do cinema feito em Hollywood. E é justamente essa identificação com o cinema norte-americano que marca esteticamente a dependência do cinema brasileiro com a indústria de Hollywood, num conflito sempre presente nos filmes da década de 50.
Depois da bem-sucedida estréia, Carlos Manga realiza, em 1954, Nem Sansão Nem Dalila e Matar ou Correr, duas comédias modelos na utilização da linguagem da chanchada que superavam a gargalhada banal.Nem Sansão Nem Dalila, paródia à super-produção hollywoodiana “Sansão e Dalila”, de Cecil B. de Mille, e uma dos melhores exemplos de comédia brasileira de caráter político, satiriza as manobras para um golpe populista e as tentativas de neutralizá-lo. Qualquer semelhança com o governo do Presidente Getúlio Vargas não é mera coincidência.
Matar ou Correr é um delicioso faroeste tropical parodiando o clássico “Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann. Destaque mais uma vez para a dupla Oscarito e Grande Otelo, e para a competente cenografia de Cajado Filho.Essas duas comédias firmam definitivamente o nome de Carlos Manga, mantendo como pontos de apoio o humor de Oscarito e Grande Otelo e os argumentos sempre criativos de Cajado Filho.
Oscarito, desde 1954 sem a parceria com Grande Otelo, continua demostrando seu talento em sequências memoráveis como nos filmes O Golpe, de 1955, Vamos com Calma e Papai Fanfarão, ambos de 1956, Colégio de Brotos, de 1957, De Vento em Popa, também de 1957, em que Oscarito faz uma hilariante imitação do ídolo do “rock” Elvis Presley. Em 1958, Oscarito vive o personagem Filismino Tinoco, protótipo de funcionário público padrão, na comédia Esse Milhão é Meu, e em outra sensacional paródia, Os Dois Ladrões, de 1960, imita os trejeitos de Eva Todor em frente ao espelho, numa clara referência ao filme “Hotel da Fuzarca”, com os Irmãos Marx.De todos os filmes dirigidos por Carlos Manga na Atlântida, O Homem do Sputnik, de 1959, talvez seja o que melhor sintetize (mesmo sem números musicais) o espírito irreverente da chanchada.
Divertida comédia sobre a “guerra-fria”, O Homem do Sputnik faz uma contundente crítica ao imperialismo norte-americano e é considerado pelos especialistas os melhor filme produzido pela Atlântida. Além da impagável atuação de Oscarito, temos a exuberância da novata Norma Bengel e Jô Soares em seu primeiro papel no cinema.
Em 1962, a Atlântida produz seu último filme, Os Apavorados, de Ismar Porto. Depois associa-se a várias companhias nacionais e estrangeiras em co-produções. Em 1974, em conjunto com Carlos Manga, realiza Assim Era a Atlântida, coletânea contendo trechos dos principais filmes produzidos pela empresa.De 1941 a 1962 a Atlântida produz 66 filmes.
Quando se fala em Atlântida nos vem logo à lembrança o humor irreverente de Oscarito e Grande Otelo, os galãs Cyll Farney, Anselmo Duarte, as “mocinhas” Eliana, Fada Santoro, Adelaide Chiozzo, os “vilões” José Lewgoy, Renato Restier, os diretores Moacir Fenelon, José Carlos Burle, Watson Macedo, e Carlos Manga, que entre outros, encantaram o público durante tantos anos.